[Texto reeditado. Originalmente publicado no Universo HQ em abril de 2005]
Título: 10 Pãezinhos – Crítica (Editora Devir)
Autores: Fábio Moon e Gabriel Bá (Roteiro e arte)
Número de Páginas: 106 páginas PB
Formato: 17 x 26 cm
Data de lançamento: novembro de 2004
Sinopse:
Nesta nova fornada de 10 Pãezinhos (marca adotada pelos autores) o livro abriga 10 histórias “de amores perdidos e sonhados, sobre juventude e experiências recém-adquiridas, mas, acima de tudo, uma bela homenagem à amizade”, como diz um trecho do material de divulgação. Trabalho produzido ao longo dos últimos 2 anos, permeado de traços autobiográficos, fantasia e metalinguagem, características da dupla.
As histórias:
Crítica – Um artista convida um crítico para conhecer sua nova fase – 1 pág.
El Camino – Os autores buscam inspiração para criarem novas histórias no mundo dos sonhos – 8 págs.
Vernissage – Um artista discute o atual significado da Arte – 6 págs
Impressões – Diversas impressões de pessoas diferentes numa noite num bar qualquer – 4 págs.
Reflexões – Ao ir ao banheiro, um sujeito se depara com uma versão de si mesmo caso não tivesse parado para conversar com uma garota no bar – 10 págs.
Fora de moda – Um encontro é cancelado e um jovem tem que conseguir um programa substituto – 10 págs.
All you Need is Love – Pensamentos que passam pela cabeça após uma noite de sexo casual – 4 págs.
O Sapo – A vida de um sujeito após o final de um relacionamento amoroso – 20 págs.
Feliz Aniversário, Meu Amigo – Um grupo invoca um falecido amigo na data de seu aniversário, para poderem comemorar com ele – 18 págs.
Qu’est-ce Que C’est? – Os autores, em meio a uma situação inesperada no metrô de Paris – 10 págs.
Como se Nunca Tivesse Existido – Uma noite num bar e dois amigos observam uma garota sozinha… – 3 págs.
Positivo/Negativo:
O álbum Crítica reúne ótimos exemplos da peculiar visão dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá sobre o mundo, especialmente no que diz respeito a amor, amizade e, de certo modo, o sentido da vida. Fora de Moda, Como se Nunca Tivesse Existido e Feliz Aniversário, Meu Amigo são os destaques da edição, carregadas de situações comuns, mas com uma pitada de coincidências e realismo fantástico (especialmente a última) que dão o tom de suas HQs.
Os autores têm a invejável capacidade de contar histórias que provocam identificação com um grande número de pessoas, inclusive os não habituados com os quadrinhos. O leitor é transportado para o mundo deles, que também é o nosso, um grau de proximidade que talvez só seja possível pelo fato deles dividirem experiências pessoais com o público, situações do cotidiano tão únicas quanto um ser humano consegue ser diferente de outro e, ao mesmo tempo, tão parecido. Às vezes as histórias são contadas literalmente como auto-biografias, outras com personagens especialmente criados, que ganham vida e consistência. O tipo de roteiro que a dupla se propõe a fazer lembra seriados dramáticos de TV, ou filmes, não é algo tão comuns nos quadrinhos. Lembram também boas conversas de bar (e vale lembrar que é o típico local de suas histórias). Ponto positivo decisivo no trabalho.
Uma característica do livro (que talvez tenha valido o nome Crítica) é o fato dos autores demonstrarem preocupação em pensar sua própria arte. É nítida a preocupação que aparece no contexto da coletânea com os quadrinhos, como linguagem. Em especial se considerarmos o período de trabalho: os últimos 2 anos marcaram também um intenso trabalho no blog (www.10paezinhos.com.br), no qual procuraram mostrar um pouco de seu processo criativo. Uma demonstração de maturidade e de uma preocupação cada vez maior com o público. As histórias nas quais essa preocupação aparece de forma mais evidente são: Crítica, El Camino, Impressões e Vernissage.
Em El Camino eles conseguem levantar questões de forma espontânea e aparentemente sem grandes pretensões, compondo uma boa HQ. Porém isso não acontece. Por exemplo, com Vernissage, que fica com um pé no lado intelectual e não consegue dizer a que veio. Impressões talvez seja apenas um exercício e represente tão somente o que o próprio título diz, mostrando a capacidade dos gêmeos de entender seus personagens, pessoas comuns normalmente. Um bom exercício do livro é Reflexões, que mostra a mesma (boa) história contada duas vezes, uma por cada quadrinista.
O Sapo é outra HQ que foge do tipo de trabalho usual dos autores. Acaba se tornando uma grande reflexão com texto pesado, introspectivo demais. É, no fundo, uma bela história (a primeira e a última página são muito boas), mas pecou na métrica. Mesmo em All You Need is Love há uma introspecção, mas é melhor distribuída pelas páginas. Contrasta pelo fato da dupla saber descrever melhor até mesmo sensações como raiva e indignação sem perder a empatia com o público comum, e prova disso está no final do livro, em Quest-ce que C’est.
Embora a força do trabalho esteja nos roteiros, a arte também se destaca. Cada autor tem seu estilo de desenho, mas ambos trabalham bem com preto-e-branco e têm traços são levemente estilizados, fugindo tanto do Cartum (comum entre desenhistas nacionais) quanto do Comics (popularizado pelos super heróis norte-americanos), sem se tornar realista demais. A arte casa-se perfeitamente com o texto.
Para quem já acompanha o trabalho dos gêmeos, fica no ar uma ‘leve’ bronca pela republicação de Feliz Aniversário, Meu Amigo, lançada de modo independente em 2003. É uma ótima história, mas tomou espaço de material inédito. Fica o consolo em saber que aumentará seu potencial de público ao ser editada agora pela Devir. Em outros casos, a republicação é merecida, pois eram inéditas no país: Qu’est-ce Que C’est saiu originalmente na antologia norte-americana Autobiographix (Dark Horse), em 2003, e El Camino foi produzida para o catálogo da exposição espanhola ConSecuencias, de 2002, sobre o novo Quadrinho Brasileiro.
O álbum apresenta alguns erros de revisão de texto que não deveriam existir, principalmente levando-se em conta que a publicação é resultado de anos de trabalho. Mas o conjunto da obra é muito bom, se tropeçam levemente numa história se superam em outra. Por isso, apreciadores de boas histórias (em HQ ou não) não devem pensar duas vezes para adquiri-lo.
Classificação: 4
Ricardo Tayra