A obra de Angeli vem me perseguindo insistentemente desde o final do ano passado, com a produção da Ocupação Angeli, concretizada no primeiro semestre na sede do Itaú Cultural, em São Paulo.
Tivemos ainda a ilustre presença do artista em gravação ao vivo, em plena madrugada da Virada Cultural, e produzi ainda a mesa com o artista e seu amigo Laerte nos 10 anos da Flip. Agora, um dos grandes lançamentos em quadrinhos deste ano, Toda Rê Bordosa.
(Mas esta abertura não é uma reclamação não, sou fã do trabalho do quadrinista desde os anos 80 – até consegui incluí-lo em meu trabalho de conclusão de curso de jornalismo no final dos anos 90. Pelo contrário. É a chance que eu dou a você, leitor, a fugir daqui se não compactua com um texto de análise escrito por um fã).
Não fugiu ainda? Então vamos lá.
Toda Rê Bordosa, o livro, impressiona primeiro pelo formatão: medidas (19,5 X 26,5 cm) e peso (meu exemplar pesou 800g numa balança analógica, enquanto o site da Cia. das Letras indica exatos 768g). Lombada quadrada, com um tipo de papelão em tom cinzento sobreposto, que faz as vezes de capa e contracapa. À primeira vista dá um aspecto sujo à publicação (não acho que esta imagem ao lado faça jus à capa, mas dá pra ter uma ideia do tom da cor, como daquele tipo de papel higiênico vagabundo que se encontra nos piores bares e postos de gasolina). O que, pra mim, casa perfeitamente com o universo etílico e tresloucado da personagem.
Daí você abre e começa a ver as tiras, imagens, recuperadas digitalmente a partir dos originais do autor, HQs. Ler Rê Bordosa é ser transportado para determinados cantos da cidade de São Paulo nos anos 80 e seus bares e casas noturnas. Não tinha tal repertório na época (eu era criança), mas a obra é tão marcante que dá até pra sentir os cheiros (não lá muito agradáveis) dos lugares onde as histórias se passam ao ler. A personagem se tornou símbolo de uma geração em meio à liberação sexual e feminina. Uma garota em busca do prazer, seja pelo álcool ou sexo sem compromisso, que fumava sem parar, passava dias mergulhada na banheira (seja deprê ou de ressaca) e tratava de aborto de uma forma completamente natural. Tudo com muito cinismo e aquele humor negro auto-destrutivo peculiar dos personagens do cartunista.
Rê Bordosa tornou-se tão grande que Angeli teve de matá-la. Em duas versões (que constam no livro). Ainda assim, volta e meia retorna a este universo, como na HQ online(que não está na publicação). Ou mesmo na série Vodca, que encerra a parte de HQs do livro (nas quais a personagem não aparece, mas seu visual é replicado por outras mulheres), ou aindan o fantástico curta-metragem com animação em massinha, Dossiê Rê Bordosa, dirigido por Cesar Cabral com a bênção de Angeli (representando por algumas imagens na publicação).
Mas, embora as histórias sejam tão marcantes, senti falta de informações contextualizando melhor a época, algo mais histórico mesmo. O que mais se aproxima disso é a reprodução de uma página da Folha de S.Paulo de 1987, com uma matéria sobre a morte da personagem. Creio ter sido uma opção, mas creio que a produção de um texto específico (ou mais) seria melhor. Me parece também o “toda” ficou no título, pois há material que ficou de fora (como a já mencionada HQ online), embora a publicação não informe o que mais foi excluído. Por outro lado, a galeria de capas e ilustrações de outras publicações da personagem, inclusive no exterior, ficou bacana.
É, definitivamente, um livro obrigatório para os amantes de histórias em quadrinhos e também para quem quer conhecer ou recordar o comportamento das pessoas numa época marcante na história do Brasil, que pegou o fim do governo militar e um tanto depois disso, e um instante pré-disseminação da AIDS. E, se não quiser colocar na estante, deixe no banheiro. De certo modo, é até mais condizente com a memória da personagem.
Toda Rê Bordosa (Cia. das Letras, selo Quadrinhos na Cia.), por Angeli. Formato 19,5 X 26,5 cm, 216 págs, capa 2 cores, miolo com trabalhos P/B e coloridos. Preço: R$ 64.
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Comentários
Uma resposta para “Toda Rê Bordosa: Resenha do livro de HQs”
A produção do Angeli é incrível, seus personagens são fodas.
Outro ponto legal do “Toda Rê Bordosa” é conhecer um pouco de outros personagens do Angeli, e o próprio Angeli, rsrs.
No meu blog também tem resenha dessa publicação. =)
Abraços!