Li recentemente o artigo “Seis propostas para o quadrinho brasileiro”, texto do Érico Assis para o blog da Companhia das Letras . Que me lembrou este outro post na mesma linha, do Cardoso, no blog do Michel Laub .
Não, ambos não trazem respostas definitivas (achou que seria fácil?). Mas vivemos um bom momento dos quadrinhos no Brasil, então é ótimo aproveitá-lo pra pensar o futuro, os caminhos, até para ir além do que já foi conquistado. Pensando em termos de qualidade artística (principalmente), mas também na distribuição (calcanhar de aquiles por aqui).
É melhor ter este tipo de discussão do que tentar apagar incêndio.
Por isso me incumbi também desse exercício. E vale lembrar que as HQs estão em transformação não só no Brasil, mas no mundo todo. Então, pensemos de maneira global. Coloco aqui algumas das minhas reflexões e considerações:
Começo reforçando exatamente este ponto: é preciso pensar mais o futuro das HQs.
Sim, o dia-a-dia é complicado, mas, veja só, é difícil pra todos: a área de quadrinhos não é uma exceção. Não adianta ficar esperando por um salvador da pátria, é preciso arregaçar as mangas, fazer acontecer “agora”, mas não descuidar do planejamento futuro. Isso vale tanto pra pensadores e críticos das HQs quanto para os artistas.
HQs DE FÔLEGO
Assis destacou a necessidade de se produzir HQs de um fôlego maior. Eu me uno a ele nesta “reivindicação”. Porque é ótimo que tiras e charges estejam encontrando seu espaço de publicação, mas sou um entusiasta das histórias longas. E nem precisam ser graphic novels de 300 páginas não, como ele citou. Já é ótimo poder tornar mais frequentes histórias de 20 e poucas páginas!
A comunidade dos quadrinhos nacionais tem encontrado seus caminhos, até quando não pode contar com grana prévia. Por meio de projetos de crowdfunding ou até sem dinheiro algum, produzindo devagar e sempre. Publicando, às vezes, só uma página por semana. Mas gerando um conteúdo maior que cartuns e tiras. Caso de Terapia, do trio Mario Cau, Marina Kurcis e Rob Gordon, disponibilizada em páginas semanais lá no Petisco (e que depois ganhou versão impressa viabilizada por crowdfunding).
Temos cada vez mais HQs produzidas desse modo, por vontade dos próprios artistas. É uma possibilidade, considerando a realidade do mercado, que dificilmente aposta em novas criações. No mundo conectado, é preciso primeiro mostrar seu trabalho, mostrar a que veio. E é bem mais fácil hoje em dia que no século passado, as redes possibilitam uma grande difusão (até mundial) a custo zero, ou quase zero. O dinheiro pode encurtar caminhos, mas não é mais condição necessária pra difusão: dá pra fazer isso com algum estudo e planejamento. Sendo assim, a bola está com os autores: produzam cada vez mais!
MISTURAR TEMAS, GÊNEROS E FORMAS DE EXPRESSÃO
Este é um tema recorrente em minhas falas pró-quadrinhos e, em parte, tratado no post do Cardoso. Quadrinho não precisa ser sempre infantil. Ser de humor. De super heróis. Não existe restrição de tema: utilize suas HQs pra falar do que quiser.
O Jornalismo em Quadrinhos garimpa seu espaço (um ótimo exemplo nacional recente é o da HQ Meninas em Jogo, da Agência Pública). Dá pra fazer resenha em quadrinhos (veja este exemplo da Laerte). Dá pra ser colunista-quadrinista (como faz o DW Ribatski).
HQ não é literatura, mas pode se unir a ela (e não falo apenas de adaptações literais e literárias). Música, quanta gente curte música? Muitos autores gostam, até procuram unir as áreas (como a turma dos Quadrinhos Rasos). Audiovisual, teatro… Uma exposição de quadrinhos precisa necessariamente trazer uma série de HQs penduradas na parede?
O limite será a imaginação do artista e editor, nunca a forma de expressão.
Sacou?
PENSE ALÉM DO PAPEL E DA TELA
Quem disse que quadrinho precisam ser disponibilizados em revistas ou livros impressos? A revista (ou livro) é um suporte físico à história. E só.
Ok, temos então a possibilidade de disponibilização digital. É ótimo pra espalhar por aí e grátis (ou quase). Mas por quê apenas converter a HQ que seria “em papel” um PDFzinho? Não custa muito mais expandir este universo, colocar uns links pra material disponibilizado online, né? Ou então, pensar em HQs voltadas pra ambiente digital. Como os experimentos de Scott Mcloud , incluindo trabalho com “tela infinita” e aquela HQ que introduziu o Google Chrome à comunidade da rede, entre outros. Podem até ser coisas sutis, como as pequenas animações introduzidas nos quadros de Gnut, do Paulo Crumbim .
Só esta viagem ao digital já abre um leque imenso de possibilidades. Muitos, inclusive, que não envolve custo em dinheiro pra fazer, só conhecimento e algum tempo adicional. Conhecimento se constrói com estudo e tempo, bom, cada um administra como pode ou precisa.
E além disso?
Por que não pensar em HQs que tenham em camisetas (ou outra peça de vestuário) sua principal ou única plataforma de divulgação? Não estou falando da produção de peças de merchandising e sim de tratar o vestuário como suporte pra HQs. Esta ação provoca não só outra forma de pensar a HQ comercialmente, mas abre outras possibilidades criativas para os autores.
Quem disse que HQ precisa ser vendida em banca, livraria, ou gôndola no supermercado? Por que não pode ser distribuída por vendedores ambulantes, ou num esquema tipo das “consultoras da Avon” ? Por que não usar o exemplo do Lacarmélio, que vende seu Celton pelas ruas de Belo Horizonte? [PS: tenho isso na cabeça há anos, uma ideia surgida numa conversa com o Klebs Junior]
Por quê não usar HQs em espaços não-usuais, tais como: sacolas de supermercado, saquinhos de pão, ou ______________ (complete com a sua sugestão)?
MAIS INTERATIVIDADE
Não foi o meio digital que inventou o termo “interatividade”. Mesmo que atualmente pareçam sempre andar juntos, não é uma obrigação ligar uma coisa à outra.
Você pode pensar numa HQ que exija que a arte impressa seja dobrada, pra funcionar (como aquelas famosas páginas da revista MAD): já traz um tipo de interatividade.
A HQ pode ser uma instalação única, cuja história só se constrói de acordo com a manipulação do público. Ou a HQ pode trazer quadros vazios pra serem preechidos pelo leitor (e não precisa ser SEMPRE o último quadrinho!).
Um exemplo prático (que não é exatamente isso, mas dá pano pra manga e é uma sacada simples de realizar): descobri que o Vitor Cafaggi costuma produzir revistas deixando um “espaço” em alguns desenhos. Este é o espaço “em branco” que ele busca pra produzir uma arte personalizada quando vai dar autógrafo em suas criações.
HQ PRECISA TER DESENHO?
Acho que a pergunta é auto-explicativa.
Até eu já fiz uns experimentos com a série #EuVejoHQs . Meu desafio pessoal é pensar numa HQ de fôlego maior seguindo nesta linha (ah, eu tenho que resolver aquele “probleminha” de regularidade de produção também, claro 🙂 ).
Mas não acreditem só em mim não: o Marcelo Saravá já tinha mostrado como produzir HQs só com falas… Balões são figuras poderosas, né?
São só dois exemplos…
Claro, claro, o assunto rende, rende muito. E este também não é um texto definitivo. É fruto de um momento meu de reflexão. E vejam que não inventei a roda, só organizei um pouco pensamentos “fora da caixa”.
Espero ter despertado em você também o desejo de pensar em outras possibilidades para os quadrinhos (no Brasil e no mundo). Se teve alguma outra ideia, deixe um comentário. Pode espalhar também pra suas redes, instigando outros a pensar.
E, se não leu ainda, confira os posts do Érico Assis e do Cardoso (e agradeço a ambos por me fazerem pensar no assunto!).