Saino a Percurá (Marcelo Lelis) – Resenha Universo HQ

[Texto reeditado. Originalmente publicado no Universo HQ em março de 2002]

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Título: Saino a Percurá – Histórias de Lelis 

Autor: Marcelo Lelis (roteiro e arte pintada)

Data de lançamento: Outubro de 2001

 

 

Sinopse:

As histórias presentes em Saino a Percurá são influenciadas pela cultura do norte de Minas Gerais, região onde viveu o autor Marcelo Lelis, com todo folclore e linguajar (com direito a palavras novas “à la Guimarães Rosa”).

Abrindo o álbum está a história-título, Saino a Percurá. Nela, as estrelas são animais antropomorfizados que vivem na fazenda do humano Juca Chibungo. Lelis conta a vida de Jão Tadim: fruto do cruzamento de um pato e uma galinha ele é uma espécie de “patinho feio” mineiro que tem que lidar com as gozações dos bichos da fazenda.

Em seguida vem Neo Liberal 2, história vencedora do primeiro prêmio da 3ª Bienal Internacional de Quadrinhos que nunca havia sido publicada. São quatro páginas com a história de um “cabra” empenhado em tirar uma linda garota da prostituição.

Mudernidades encerra o álbum. São 20 páginas sobre como o “vaquêro” Jovino de Tião Ferrêra, “cumpadi” do narrador, acabou endoidecendo por conta de um mal desconhecido. Uma pista: tem formato retangular, uma tela medida em polegadas e volta e meia faz “plim-plim” nos intervalos…

Além das histórias, é possível apreciar a arte de Lelis numa série de rascunhos em preto e branco de pessoas, animais e situações, devidamente presentes nas páginas internas da capa e contra capa.

O álbum tem 48 páginas e reúne três histórias em linguagem de cordel, totalmente coloridas com aquarela. Esta primeira edição teve tiragem de 1000 exemplares

 

Positivo/ Negativo:

A arte de Lelis representa um estilo todo especial e próprio, surpreendendo a cada olhadela. Não poderia ser diferente em Saino a Percurá. Editado de forma independente e com um acabamento gráfico de alto nível, abriga três histórias inéditas, contadas em linguagem rimada de cordel.

Sua arte peculiar, com uma série de traços singulares sobrepostos, ganha força com o colorido da aquarela. Essa é a maior força do trabalho deste mineiro de Montes Claros (que pode ser conferido em ilustrações para o jornal Folha de S. Paulo), mas não a única: ele acertou em cheio ao utilizar os hábitos, linguagens e “causos” nos roteiros das histórias do álbum.

A HQ Mudernidades é a melhor do álbum e mais original, tratando dos males do mundo moderno, através da visão de um humilde vaqueiro. Saino a Percurá parte de uma boa idéia. Começa bem, deixa um ar um “quê” de Revolução dos Bichos, de George Orwell, mas vai perdendo força, chegando a um final mediano nesta versão “Lelisiana” do Patinho Feio. Neoliberal 2 dá a impressão de que poderia ser uma história melhor se tivesse mais espaço (são apenas 4 páginas), tendo um final abrupto. De qualquer forma, todas elas apresentam uma arte de cair o queixo.

Nesse tempo com tanto material ruim rondando bancas e livrarias, Saino a Percurá é um achado. E o sentimento que fica é muito bem descrito pelo autor no prefácio da edição: em sua infância, Lelis tinha uma turma que jogava futebol num campinho de terra. Certo  dia, a prefeitura precisou usar o campinho como depósito de entulho para a obra de canalização de um córrego próximo. Pra remediar a situação, o representante da prefeitura ofereceu a construção de uma quadra de futebol de salão para substituir o campinho…

“Quadra de cimento no lugar de nosso campinho de terra? Quem já viu uma quadra de futebol de salão já viu todas. O nosso campinho não, ele tinha vida. Nas laterais dele teimavam em crescer umas graminhas que facilitavam nossos dribles nos beques em manhãs frias de orvalho. Quadra de futebol não nasce grama nenhuma(…)” 

Sábias palavras de Lelis…

Classificação: nota 4,5

por Ricardo Tayra