Desde a primeira vez que eu ouvi falar do livro concluí, cá pra mim, que teria que lê-lo o mais breve possível. E teria que fazer uma resenha depois aqui pro SaposVoadores. Quando vi o próprio autor postar sobre a pré-venda pela Companhia das Letras – anúncio acompanhado da sinopse – vi que a história tinha muito mais camadas e potencial do que eu imaginava. Mas foi ao começar a ler efetivamente que tive que abandonar a ideia de post que eu tinha antes para substituí-la por esta não-resenha…
Mas espera aí que estou a colocar o carro na frente dos bois.
A primeira vez que ouvi falar de O Grifo de Abdera, de Lourenço Mutarelli, foi em grande estilo: em abril deste ano, numa palestra desenhada do autor, na qual tive a honra de atuar na mediação. Foi a noite de abertura das Quartas ao Cubo, evento que ajudei a criar e produzir para o Itaú Cultural, sobre o qual já tratei anteriormente aqui no blog.
Entre a palestra e o anúncio da pré-venda, tanto tempo se passou que até já tinha esquecido. Mutarelli estava na minha mente muito mais por conta da divertida participação no longa Que Horas Ela Volta? Ainda demorei umas semanas a mais pra encomendar meu exemplar e comecei a contar os dias…
Abro um parênteses pra falar o que penso sobre SPOILERS. Ou seja, essa mania de colocar informações no texto que antecipam acontecimentos do livro, filme, série, ou o que for. Normalmente eu já acho que praticamente qualquer informação sobre uma história funcione como spoiler. Como esse tem mais informações que o mínimo, tenho certeza absoluta que tem muitos spoilers – até pra quem tem um conceito menos abrangente que eu sobre o termo.
Eu sei que pode parecer contraditório porque eu mesmo acabei sabendo um tanto sobre o livro antes de enfim lê-lo e isso só serviu pra aguçar minha curiosidade. Mas invejo quem ler sem saber nada. Quem sabe não é o seu caso? Se for, interrompa a leitura aqui e volte depois pra contar sua experiência. Vou gostar de saber.
De todo o modo taí, já avisei. prossiga por sua conta e risco a partir de agora que muitos spoilers virão. Talvez nem todos explicitos, mas estão por aqui. Fim do parênteses.
Pois encomendei meu exemplar e fui buscar a encomenda uns dias depois. Ansioso, desempacotando enquanto descia as escadas e comecei a ler já dentro do metrô. Foi nas primeiras páginas do primeiro capítulo que tive a certeza de que não faria uma resenha. Faria este texto, deste jeito.
Porque lá estou eu a começar a ler o livro no metrô quando chego a um trecho que se passa no metrô. E meio que fala de destino, coisa e tal. Bom, já que esclareci quanto a spoilers, vejo agora que é uma boa hora de copiar um trecho da sinopse, que se encontra na contracapa do livro:
Mauro é roteirista dos quadrinhos de Paulo. Os dois publicam sob a alcunha de Lourenço Mutarelli, e são representados publicamente pelo bêbado Raimundo. Mas a morte de Paulo forçará Mauro a tentar uma carreira solo com O cheiro do ralo, seu primeiro e bem-sucedido livro. É quando ele recebe de um estranho uma moeda antiga, o Grifo de Abdera, e sua vida muda.
Oliver não conhece Paulo, Mauro, Raimundo ou Lourenço. Mas, quando Mauro recebe a moeda, uma conexão se forma entre eles.
O primeiro capítulo é tão incrível que senti imensamente que minha leitura tivesse ocorrido após já saber um pouco – que pra mim sempre é muito – sobre o livro. Achei sensacional ter assistido Matrix no cinema sem saber quase nada a respeito (sabia só que era ficção científica). Sempre busco esta sensação, é um exemplo que sempre uso. Mas como soube as primeiras informações ao vivo, da boca do próprio autor (digo, do Mundinho), então relevei um pouco…
Folheio rapidamente o livro sem ler e mais pra frente lá estão as páginas de quadrinhos que foram encartadas no romance. Uma das coisas anunciadas na divulgação, uma espécie de retorno às HQs, ainda que por linhas tortas. Após ler tudo, posso dizer que sua inclusão faz sentido sim. Mas eu sinceramente trocaria um pouco das páginas de quadrinhos por mais texto. Porque é um livro difícil de ser terminado. No sentido de que é péssima a sensação de que acabou e que nunca mais irá lê-lo.
Independente da coincidência de ter começado a ler no metrô, esse ritual é algo comum pra mim. Vou até além do metrô: sou daqueles que lê andando (tenho lá minhas técnicas pra não esbarrar em ninguém e não ser atropelado ao atravessar a rua). E, na qualidade de leitor andarilho, posso afirmar que é um ótimo livro pra se ler andando.
Uma outra coisa que experimentei, já visando este texto, foi gravar notas em áudio no meu celular (um espertofone) pra não esquecer. Tenho costume de anotar, mas acho que gravar agilizou o processo (o problema foi só digitar depois – ainda procuro um bom software ou aplicativo digitador de áudio, tal qual o utilizado pelo protagonista do filme Ela). Sem contar que há alguns momentos no livro que Mauro usa um gravador e eu achei que fosse outra coincidência. Foi a primeira vez que usei o recurso pra produzir um post aqui no blog.
Mas voltando ao conteúdo, a brincadeira de separar em três pessoas distintas o roteirista e o quadrinista, mais o figura que representa o escritor em eventos é só o começo da maluquice. É com a entrada de Oliver na história que a coisa realmente se desenvolve. Pois Mauro vê tudo que Oliver faz e Oliver fala como se fosse Mauro e os dois são um, embora sejam dois. Sei que pode ser complicado de entender se não leu o livro (aliás, azar seu, devia ter lido antes de terminar de ler o post :))
Só que preciso falar outra coisa que também tem a ver.
Meus primeiros contatos com os quadrinhos e informações sobre Lourenço Mutarelli foram numa era pré-internet, no começo dos anos 90. A anos luz de distância da velocidade de pesquisas que qualquer Zé Mané faz hoje no Google. Em citações de entrevistas, volta e meia ele mencionava um medicamento chamado Lorax. Aparecia também em umas HQs. Eu então ficava a imaginar que talvez o autor tivesse escolhido o nome artístico por conta do remédio – até então, nunca havia conhecido um Lourenço. E note que, conhecer o trabalho não significava saber como era o autor. Acabei conhecendo por acaso, enquanto fazia um workshop de fanzine com a equipe do Panacea, na USP. Mutarelli entrou na sala, deu um oi geral, trocou umas palavras com o palestrante e depois foi lá prum canto folhear umas revistas. Assuntei que ele estava ali por conta de uma entrevista pro zine. E lembro de ter pensado na ocasião que ele não parecia com a imagem que eu tinha do autor de Transubstanciação e outros quadrinhos. Agora que eu conheço a história do Mundinho, fez mais sentido 🙂 Bom, não sei se a entrevista foi feita toda naquele dia, mas fato é que, um tempo depois, saiu em duas edições do Panacea e achei bacana saber mais sobre o autor.
Mais uma vez voltando, ler o livro significa viajar por inúmeras possibilidades de Mutarellis dentro da mente de Mutarelli (ou de Mauro, Oliver, Mundinho, quem for). Só sei que essa quantidade enorme de pessoas que são as outras e/ou estão interligadas, ainda me fez lembrar aquele momento na minha vida no qual eu estranhava me chamarem pelo sobrenome (tinha muitos Ricardos na escola). Porque meu pai é que era (e ainda é) chamado pelo sobrenome pelos colegas e amigos. Estavam me chamando e eu estranhava chamarem o meu pai.
O autor ainda faz umas brincadeiras com colegas escritores contemporâneos, como Marcelino Freire, Marçal Aquino e Ferréz. Só por diversão. E usa um monte de referências geográficas de ruas paulistanas (teve ajuda do Google Maps, não apenas da memória, pra produzir). Ajuda a confundir mais neste processo de livro que conta histórias não-vividas pelo escritor, ou autor que vive coisas que não conta. Algo assim. O Google ainda colabora no processo com sua ferramenta de tradução.
E tanto que fiquei falando em spoilers, que me deparei com nova coincidência: o lançamento do livro foi programado no Sesc Pompéia, em São Paulo, numa leitura dramática – e gratuita ao público – chamada… Spoiler! Não acredita? Visite aqui o link, vai ser em 11/11/15, daqui uns dias.
E outra coisa divertida que achei aqui na minha pesquisa complementar pra este post, é que o livro já tem adaptação prevista pro cinema e a adaptação já tem fanpage. E é mais engraçado ainda saber que o Otávio Müller está envolvido (é daquelas histórias que se retroalimentam, uma vez que a passagem do livro que cita Müller é importante).
Bom, acho que é isso. Ah, não, claro: também adorei o último capítulo. É uma boa forma de encerrar o livro. Ainda mais porque cheguei às últimas linhas do livro, que falam sobre despedida, e mal tive tempo de me entristecer: a voz no metrô anunciava a última parada, que vinha a ser minha estação. Desci.
por Ricardo Tayra
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