10 Quadrinhos que Mudaram a vida do jornalista Augusto Paim, curador do Encontro Internacional de Jornalismo em Quadrinhos


Conheci Augusto Paim por conta de meu trabalho no Itaú Cultural. De selecionado do programa Rumos Jornalismo Cultural, tornou-se colaborador de diversas ações do instituto. Mas volta e meia nos esbarramos por conta de um interesse comum pelas histórias em quadrinhos. 


É hoje um dos grandes divulgadores do Jornalismo em HQ do país, organizador das duas edições do Encontro Internacional de Jornalismo em Quadrinhos. Se hoje o evento abre lá na Gibicon, em Curitiba, nada melhor que abrir espaço para que Paim conte sobre seus 10 quadrinhos que mudaram sua vida. Diz ele que é uma lista mais ou menos variável, parece ter quebrado a cabeça para chegar aos 10, mas creio também que se divertiu!

Vamos lá?

 

1) Palestina – Na Faixa de Gaza

Em uma bela noite em 2005 ou 2006 (agora não lembro exatamente a data). Pouco antes de pegar no sono, eu achei que tinha inventado o Jornalismo em Quadrinhos. É que nessa ocasião me ocorreu de forma espontânea a possibilidade de fazer reportagens usando a linguagem dos quadrinhos. Foi só no dia seguinte que pesquisei na internet e descobri que isso já existia e era praticado por um HQ-repórter maltês chamado Joe Sacco. Uma das primeiras obras que tive acesso depois disso (movido pela curiosidade e por um certo alívio por não precisar arcar com a responsabilidade solitária dos pioneiros) foi Palestina – Na Faixa de Gaza.

Muitas águas rolaram desde essa época, mas a identificação com Sacco segue a mesma. Ou melhor: está sempre ganhando reforço. Recentemente, li o prefácio dele para a edição especial de Palestina, da editora Conrad e tive novamente aquele encantamento da época da faculdade. Sacco, afinal, é uma pessoa que não só pratica com maestria a arte da reportagem em quadrinhos, como também procura elaborar pensamentos sobre o uso dos quadrinhos para o jornalismo e sobre o jornalismo em si. Assim, ele segue um modelo pra mim, estimulando o meu pensamento e a minha produção.

2) Maus, de Art Spiegelman

Fiquei pensando se inseria ou não Maus nessa lista, afinal falo tanto desse livro que chega a ficar repetitivo. Porém, uma obra que foi exposta no Museu de Arte Moderna de Nova York e que ganhou um prêmio Pulitzer – e tudo isso sendo uma obra de quadrinhos! – não pode ter sua influência negada, mesmo que hoje esteja diluída em meio a inúmeras outras referências. Maus é de suma importância para apresentar o universo dos quadrinhos autorais a pessoas que só conhecem histórias infantis e de super-heróis. Ele tem o grande valor de despertar nos iniciantes o desejo de entrar nesse universo, da mesma forma que despertou em mim há alguns anos.


3) O fotógrafo, de Didier Lefèvre
Quando um livro é muito bom, gosto de saboreá-lo aos poucos, numa tentativa de prorrogar o prazer da leitura. Assim foi com O fotógrafo, uma obra de jornalismo em quadrinhos que eu já conhecia de muito tempo, mas que deixei para ler com atenção redobrada apenas recentemente, num momento em que estava desenvolvendo um artigo sobre a relação da fotografia com os quadrinhos. Antes de mais nada, sou um apaixonado pelo jornalismo (como arte, não como instituição), e o que se vê, ao ler esse livro, é uma reportagem ao seu melhor estilo. Digamos que O fotógrafo reanimou meu interesse tanto por jornalismo quanto por quadrinhos, incentivando ainda o pensamento híbrido.


4) Desenhando / Desvendando os Quadrinhos

Já ouvi algumas pessoas dizendo que Scott McCloud está ultrapassado. De fato, seus livros mais famosos são da década de 1990, e a teoria dos quadrinhos já avançou muito depois disso. No entanto, não tem como não reservar um lugar na minha estante afetiva para as obras dele. Ultrapassados ou não, McCloud, Wil Eisner, Umberto Eco e Thierry Groensteen fazem parte das minhas experiências mais importantes com o entendimento da linguagem dos quadrinhos, não só como leitor, mas também como crítico e autor. Aliás, é impossível negar a importância deles na formação de quem trabalha com quadrinhos. E Scott McCloud, com suas inovadoras teorizações sobre quadrinhos em quadrinhos, continua me acompanhando até hoje, pois consegue explicar de forma clara os fundamentos da arte dos quadrinhos. Quando ministro palestras em escolas ou faculdades usando os pensamentos de McCloud, vejo o quanto o trabalho dele ainda é atual, pois cumpre um papel de formação que poucas obras conseguem igualar em eficiência.


5) Mas podemos continuar amigos…, de Mawil
No final de 2007, eu estava ainda no início do meu aprendizado do idioma alemão quando peguei emprestado um livro na biblioteca do Goethe-Institut em Porto Alegre para treinar. Escolhi uma obra de quadrinhos. Embora eu já trabalhasse com quadrinhos na época, a escolha não tinha muita pretensão: eu apenas pensei que o uso de imagens ajudaria na leitura, já que meu conhecimento do idioma ainda era vacilante naquela época.

No momento em que respondo a esta enquete (outubro de 2012), o livro a que me referi acima acaba de sair em português e o autor se encontra em Porto Alegre, como convidado de um projeto de intercâmbio que eu estou organizando. Além disso, essa é a primeira obra do autor publicada no Brasil – e eu sou o tradutor.

Nesses cinco anos que separam o dia em que peguei esse livro na biblioteca e a publicação, muita coisa aconteceu, e ainda me surpreende pensar nisso. A sequência foi esta: li o livro na casa de praia de amigos, perto de Porto Alegre (o fato insólito é que um ex-padre me ajudou a traduzir as frases que não entendia); fiquei tão encantado com as soluções gráficas fabulosas e o humor trágico que decidi escrever para o autor comentando; pra minha surpresa, ele respondeu; fiz uma postagem no Cabruuum apresentando esse livro ao leitor brasileiro; dali em diante, sempre que podia mostrava o livro para pessoas da área; em fevereiro de 2009, eu estava fazendo intercâmbio na Alemanha e tive a oportunidade de conhecer o autor pessoalmente, quando visitei seu ateliê; desde então, trocamos emails; de volta ao Brasil, ofereci a obra para diferentes editoras, e uma delas aceitou; fiz a tradução consultando o autor; em paralelo, organizei o projeto de intercâmbios e ele entrou na lista da minha curadoria; e é aí que chegamos nessa data de hoje.

Mesmo que tudo tenha acontecido devagar e com passos sólidos, olhando pra trás ainda me admiro com os milagres que são operados com a passagem do tempo. Se alguém me dissesse em 2007 que isso tudo aconteceria em 5 anos, seria difícil de acreditar…


6) Johnny Cash: uma biografia, de Reinhard Kleist
Este livro não poderia ficar de fora por motivos óbvios. Foi minha primeira tradução, e até hoje sou conhecido por ela. Além disso, o lançamento, em 2009, contou com momentos muito marcantes pra mim, como uma entrevista que realizei com o autor no palco do Goethe-Institut Porto Alegre, bem como uma festa temática ao som de Johnny Cash, da qual participamos no Rio de Janeiro. Esse trabalho já é coisa relativamente antiga, de três anos atrás, mas ainda hoje recebo retornos por ter feito essa tradução e por ter trazido esse livro ao Brasil.





7) Calvin & Haroldo / Zoé e Zezé

Coloco as duas obras no mesmo pacote porque, apesar de serem de autores diferentes, ambos possuem um estilo semelhante que inspira não só a mim, mas a leitores de diferentes culturas, idades e formações. Inspira inclusive pessoas que não têm o hábito de ler quadrinhos. Eu mesmo lia Zoé e Zezé no jornal Correio do Povo, em Porto Alegre, quando estava na adolescência – naquela época, eu estava parando de ler quadrinhos. Essas duas séries conseguem trazer a arte para as nossas rotinas, e têm o mérito de fazer isso durante anos, atravessando diferentes gerações. Inspirador não só para quem faz quadrinhos, mas pra vida em si.
 


8) Humoris Causa, do Caloi
Fiquei na dúvida se colocava na lista O Gato do Rabino ou esse livro do Caloi, mas optei pelo autor argentino pelas sacadas ao mesmo tempo visuais e narrativas. Descobri Caloi ao visitar uma livraria em Buenos Aires, numa viagem estilo mochileiro para a Argentina em 2006. Fiquei encantado com a habilidade dele com as cores, mas, principalmente, por ele trazer para a linguagem dos quadrinhos esse estranhamento típico da arte contemporânea, de uma forma que une singeleza e humor. Além disso, faz isso muitas vezes sem precisar de texto. Já O Gato do Rabino tem elementos semelhantes, mas eles estão presentes mais no texto do que no desenho. Digamos que O Gato do Rabino é uma celebração do texto nos quadrinhos (coisa que eu, como roteirista, acho ótimo), enquanto que Humoris Causa celebra a narrativa visual em si.



9) Cachalote, de Daniel Galera e Rafael Coutinho
Deixei para ler esse livro somente um ano após o lançamento, porque, se lesse antes, temia ser influenciado (negativa ou positivamente) pela grande campanha de marketing realizada pela editora. No fim, funcionou. Com um olhar mais distanciado pelo tempo, pude apreciar algo que, me parece, é um benefício da união bem sucedida da literatura com os quadrinhos. O Daniel Galera já tinha um olhar quadrinístico quando trabalhou nessa obra, porque é tradutor de obras como Jimmy Corrigan, mas seu reconhecimento maior vem da produção literária. Isso tanto poderia pesar a favor como contra ele, porque quadrinho é uma linguagem com exigências diferentes da literatura. Porém, ao meu ver, Cachalote tem uma profundidade literária que raramente se encontra nos quadrinhos – e consegue isso sem deixar de ser uma grande obra de quadrinhos. Como eu mesmo tenho um pé na literatura e outro nos quadrinhos, a leitura dessa obra me motivou em termos de possibilidades de criação.


10) Jimmy Corrigan, de Chris Ware


Um livro essencial. Apesar de eu achar que faltou coragem ao autor para dar o final que o livro precisava (eu acho o final muito “mamão com açúcar”), creio que a leitura dessa obra expande as opções narrativas de leitores e autores. Sim, é possível pensar a linguagem dos quadrinhos de uma forma menos tradicional e mais vinculada aos estilos contemporâneos (da literatura e das artes visuais). Sim, é possível criar uma narrativa longa em quadrinhos bastante interessante, mesmo com um herói que é um tédio. Sim, é possível buscar uma dimensão épica através da linguagem dos quadrinhos e fugir das soluções fáceis. Enfim, Jimmy Corrigan foi uma leitura recente, por isso ainda estou sofrendo os efeitos dela…


Augusto Paim é jornalista, escritor e tradutor. Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria (RS) e mestrando em Teoria da Literatura na PUC RS. Tradutor para o português o livro Johnny Cash – uma biografia, autor de reportagens em HQ como Inside the Favelas, curador e organizador das duas edições do Encontro Internacional de Jornalismo em Quadrinhos. Além de seu site, mantém um blog sobre quadrinhos, o Cabruuum!, e uma lista de discussão sobre Jornalismo em Quadrinhos.


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