Entrevista com o roteirista Daniel Esteves

Esbarro com o Daniel por aí desde a época em que freqüentava a Impacto Quadrinhos (seus roteiros estavam entre os exemplos nas aulas do Klebs Junior). Sua fala e suas histórias carregam duas coisas que sempre acho bacana: drama e humor. E equilibrar os dois não é fácil.

Conheça um pouco deste figura e da Nanquim Descartável.


Daniel ministrando workshop na Devir (1)
Daniel Esteves é graduado em História pela USP e formado num curso técnico de Desenho de Comunicação. Mas é mais conhecido por ser roteirista e quadrinista independente. É diretor e professor dos cursos de Roteiro, História em Quadrinhos e Manga da escola HQEMFOCO, sua principal fonte de renda atualmente.

Participa de publicações como Front (Via Lettera, como autor e membro do conselho editorial), as independentes Quadreca, Garagem Hermética e Quadrinhópole, publica tiras no jornal Correio Paulistano e edita e roteiriza a revista Nanquim Descartável. Ganhador do prêmio HQ Mix de Roteirista Revelação em 2007, além de ter sido indicado a Melhor Roteirista Nacional este ano.

Ricardo S. Tayra – O mercado de quadrinhos é pequeno por aqui. E você ainda optou por uma especialização, o roteiro de HQs. Por quê? Se a sua praia é texto, por que não seguir o caminho da literatura, por exemplo?

Daniel Esteves – Sempre fui apaixonado por histórias em quadrinhos e, com o tempo, fui percebendo que minha praia era criar roteiros. Na verdade, muito antes disso eu já ficava imaginando minhas histórias em diversas ocasiões, ainda sem escrevê-las. Somente quando encontrei parceiros pra fazer histórias conjuntas (ao fazer colegial técnico em desenho de comunicação) é que comecei de fato a escrever.

Não anulo a possibilidade de trabalhar com outros meios de contar histórias pois, na verdade, antes de roteirista de quadrinhos sou um contador de histórias. Aliás, me interesso um bocado por outras áreas, só falta tempo pra aprimorar a forma e a linguagem pra cada meio e realmente produzir.

RST – Como é sua produção? Você é do tipo que escreve o tempo todo, mesmo que não tenha a produção em vista, ou só cria visando publicação?

DE – Sou sinceramente preguiçoso, indisciplinado e mais uma série de más qualidades que podem ser aplicadas a um criador de histórias. Tenho dois tipos de produção: a primeira quando vejo um fim, algo para fazer com a história (é uma forma prática de trabalhar, senão perco o foco); a segunda, em momentos de inspiração (quando as histórias fluem mais facilmente). Até brinco que existem histórias que vou atrás e histórias que vêm atrás de mim. Tanto uma quanto a outra são bem ruins, vivo perdendo oportunidades por não ter materiais que se encaixem em determinadas publicações. Já fui mais disciplinado e vivo em conflito comigo mesmo pra adotar uma rotina mais produtiva. Ah, se você disser que eu falei tudo isso eu nego!

RST – Sobre a Nanquim Descartável: como surgiu a idéia da série?

DE – Surgiu após uma noitada com amigos regada a muita pizza e cerveja. Depois de uma indigestão e ressaca do cão num domingo tedioso, resolvi fazer tirinhas de humor. Tiras de um cachorro, que morava na casa de duas garotas meio amalucadas. Ele era o personagem principal, mas, com o passar das tiras, as garotas foram ficando cada vez mais interessantes. Acabei parando as tiras. Alguns meses depois, olhando alguns arquivos, encontrei as personagens e resolvi dar um novo rumo pra elas.

RST – Quanto é diretamente inspirada na vida real (sua ou de conhecidos)?

DE – Todos os personagens que crio têm algo meu. Nessa série, eu tinha uma roteirista em meio às personagens. Portanto, ela foi se tornando cada vez mais parecida comigo, em gostos, visão de mundo e outros elementos. Além dela, todos os outros personagens carregam alguma coisa minha. O Tuba também é inspirado num amigo meu. As próprias tramas têm a ver com coisas da minha vida. Nada é gratuito ali dentro. Tem muito do que penso, do que faço, do que sinto.


RST – Quais suas intenções com a revista e a série? Dá pra fazer mais de uma por ano? Dá pra tocar histórias em paralelo?

DE – A primeira intenção é desenvolver as personagens até pontos em que a revista avance e melhore. Queria continuar por um longo tempo, mesmo que deixem de ser a produção principal: queria vê-las envelhecendo e envelhecer junto com elas. Talvez venha em breve a produção de um álbum, mas não quero abandonar a revista, que me dá um prazer imenso de fazer e que ainda atingiu pouquíssimo do que eu imagino.

Penso numa revista derivada também, mas ainda é uma idéia vaga que não tive tempo de desenvolver. Além disso, existe o blog das personagens, que ainda não começou a ser utilizado. A idéia é que seja um adendo à série, com material extra, bastidores de produção, textos a respeito das personagens, histórias inéditas, tirinhas e desenhos de parceiros e amigos do universo dos quadrinhos. É minha prioridade no momento.

Gostaria de fazer pelo menos mais uma edição esse ano. O maior problema é que as questões editorias e de divulgação tomam mais tempo do que eu gostaria e não adianta produzir sem ter um público formado.

Falando em público, uma das minhas metas é exatamente furar a bolha de consumidores habituais de quadrinhos e chegar nas pessoas pra quem realmente imagino estar escrevendo. Em suma, seria o público feminino, mas isso seria uma generalização exagerada. A idéia é atingir um público adolescente, universitário e adulto, que esteja acostumado a consumir filmes, séries de TV, peças de teatro, etc, com essa temática de comédia romântica.

Quanto a tocar outras coisas em paralelo, dá pra ir se virando. Além da minha participação efetiva no coletivo Quarto Mundo, tem minha participação na Front, em outras publicações independentes e também em outros materiais que estou bolando.

RST – O que você pensa a respeito de trabalhar com personagens fixos?

DE – Com certeza é diferente. Às vezes prefiro os personagens fixos, às vezes histórias fechadas. Em histórias fechadas tenho maior liberdade, por trabalhar inicialmente com uma idéia, um tema, daí produzir uma trama e criar personagens que possam transmiti-la ao leitor. Ou seja, se eu quiser falar sobre SONHO, parto do tema e daí eu vou lapidando personagens e trama. Outras vezes, posso até partir de uma trama básica também, depois adequá-la a algum assunto e criar os personagens que vão vivê-la. Ao trabalhar com uma série, nós já partimos da EXISTÊNCIA das personagens. Então, a busca é, ou por um assunto, ou por uma trama. Esses aspectos não pré-existem, o que está ali em evidência são as personagens. Isso torna o processo mais difícil, pois ao invés da história vir atrás de mim, EU que tenho de ir atrás da história. Porém, historicamente os quadrinhos trabalham muito em função de séries, então isso acaba se tornando uma necessidade pra pessoas lembrarem do seu trabalho. Já criei outras séries, mas, no momento, a única que me dá uma satisfação imensa de fazer é a Nanquim Descartável.

RST – Que diferenças você percebeu no processo de produção do primeiro para o segundo número da Nanquim?

DE – Editorialmente falando, a primeira edição nasceu com recortes. Ela seria uma coisa, depois passou a ser outra e por fim chegou numa terceira face. Lógico que, a certa altura do processo, eu já sabia o que queria e montei a revista em função disso, mas até chegar nesse ponto passaram-se meses. Na criação do roteiro, a primeira teve um trabalho maior, por ser a criação das personagens da ambientação e outros elementos que foram criados pra série toda. Foram duas fases. A primeira foi a criação toda do argumento, que resultou na primeira história daquela edição. Passado um bom tempo, resolvi montar a revista nos moldes que saiu: foi o momento de criar a segunda história (acho que deve ter um ano e meio de diferença entre uma e outra).

Uma vez que o segundo número é algo já sobre uma estrutura montada, acredito que editorialmente foi tanto mais fácil, quanto melhor fazer o segundo número, pois a série já tinha uma cara. Resolvi alguns problemas que me incomodavam do primeiro número, apesar de achar que ainda existem muitos outros por resolver. Se mantiver a publicação, talvez lá pro décimo número consiga alcançar o que eu espero com ela.

Com relação ao roteiro, a segunda edição me causou alguns problemas, pois tinha muitas dúvidas sobre QUAL história contar. Comecei várias tramas, mas as deixava pela metade. Juntei algumas tramas inicialmente pensadas, costurei novos fatos pra encadeá-las e me senti muito contente com o resultado final. No final das contas, achei a segunda edição melhor em todos os quesitos, no campo editorial, no roteiro e nos desenhos. Espero que o leitor perceba essa evolução e que ela continue para os próximos números.
RST – A revista dá lucro, prejuízo, ou o foco da avaliação deve ser outro?

DE – Prejuízo não dá. Os lucros, acredito que devem realmente ser avaliados de outra forma. Esse tipo de publicação é um investimento a longo prazo, não podemos exigir um lucro imediato. Porém, ele aparecer de outras formas, tanto como ferramenta de marketing da, como também abrindo novas possibilidades de trabalho, como projetos recentes que têm aparecido. Lógico que é satisfação pessoal também, mas como respondi outro dia num debate, se fizesse apenas por paixão eu daria minhas revistas, não venderia. Quadrinhos é negócio e, como tal, deve ser pensado desde o início: pra que público se produz, como divulgá-lo, etc. Se fizesse apenas por satisfação pessoal eu deixaria essas questões de lado.
Com Serginho Groisman, recebendo HQ Mix de Roteirista Revelação (3)

Para saber mais:

Crédito das fotos:
(1) Ricardo S. Tayra
(2) Divulgação
(3) Divulgação/ Gil Tokio