É uma das perguntas mais frequentes que recebo aqui no blog e nas redes relacionadas (com uma ou outra variação): onde aprendo como fazer quadrinhos?
Além de puxar sardinha para as postagens do próprio SaposVoadores e o conteúdo que replicamos na nossa fanpage e no twitter, gosto de lembrar que existem no mercado traduções de algumas das melhores referências teóricas mundiais sobre a produção de HQs em formato livro. Já faz um bom tempo que postei sobre isso na minha antiga coluna quadrinística na Rede RPG, pois então trago o material pra cá e atualizo.
São cinco livros de dois autores norte-americanos fundamentais: o gênio Will Eisner (mais conhecido pela sua produção de quadrinhos como O Edifício, New York e a série Spirit, entre outros) e Scott McCloud (este, muito mais conhecido pela sua pesquisa quadrinística). Os cinco livros formam uma coleção básica para quem quer entender um pouco mais sobre a linguagem e os processos de criação da nona arte. São imprescindíveis para criadores de HQs e obras complementares, não excludentes.
Vale ressaltar que, obviamente, não são as únicas referências para quem quer se aprofundar no assunto, mas são um bom começo!
Veja a seguir os títulos e alguns motivos pelos quais são tão necessários. Importante: nenhum deles ensina a desenhar diretamente. Eles até trazem dicas para que o desenho se aprimore, mas o foco é mais teórico mesmo: tratar do processo de criação e produção das HQs em suas inúmeras formas. Se o seu objetivo é aprender a desenhar, pratique, faça cursos e/ou vá atrás de conteúdo online e livros/revistas específicos. Você terá menos dificuldade para encontrar material de referência sob o tema.
Quadrinhos e Arte Sequencial, de Will Eisner
Publicado originalmente nos EUA em 1985
O primeiro de todos. Will Eisner é um dos maiores quadrinistas de todos os tempos. Falecido no início de 2005, o mestre influenciou um sem número de artistas pelo mundo, com sua incrível narrativa e uma capacidade de transformar pequenos e grandes dramas humanos em boas histórias em quadrinhos.
Eisner ainda popularizou o termo “graphic novel”, numa de suas tentativas de dar um ar mais respeitável às HQs norte-americanas (conhecidas por lá como comics, numa alusão às histórias cômicas pioneiras dos quadrinhos nos EUA). Este livro também trouxe uma nova terminologia para definir as HQs: “arte sequencial”.
É uma publicação referencial para artistas e estudiosos em todo o mundo, baseada no curso que o autor ministrou por muitos anos na School of Visual Art de Nova York. Contém regras básicas, idéias, teorias e aconselhamentos sobre a prática de contar histórias em quadrinhos.
Os textos são ricamente ilustrados com a arte de Eisner, inclusive com trechos de diversas criações, como histórias do Spirit, seu personagem mais conhecido.
Desvendando os Quadrinhos, de Scott McCloud
Publicado originalmente nos EUA em 1993
McCloud tem um enorme respeito pelo primeiro livro de Will Eisner. Não o contesta, mas vai além ao detalhar mais as forças que movem a criação das HQs. Logo no começo do livro, parte da definição “arte sequencial” para pensar numa que seja mais precisa, chegando a “imagens pictóricas e outras justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta do espectador”.
Embora suas histórias sejam muito menos reconhecidas que as de Eisner, McCloud conseguiu seu espaço. Não apenas por suas ideias, mas também pelo formato escolhido: a publicação é uma grande história em quadrinhos, tendo o próprio autor como narrador e apresentador de suas teorias. Pois se as HQs são uma forma de comunicação tão eficiente como se prega, por que não utilizá-las para divulgar suas ideias? Esta ótima sacada foi uma “arma” adicional utilizada pelo autor na defesa dos quadrinhos como forma de arte de primeira grandeza. Se autores utilizando HQs para descrever histórias reais já são raros (como Art Spielgman e Joe Sacco), para escrever um estudo teórico então…
Devido ao formato escolhido, o livro é constituído de exemplos o tempo todo, extremamente didático. O bom humor do autor também ajuda a manter o interesse, mesmo quando o assunto se torna mais denso. McCloud procurou não repetir o trabalho de Eisner: o mestre se mantém mais no estudo dos quadrinhos propriamente ditos, enquanto o discípulo extrapola e procura também avaliar o que os leva a serem uma forma de arte tão interessante e como fazer para popularizá-la ainda mais.
Narrativas Gráficas, de Will Eisner
Publicado originalmente nos EUA em 1996
Enquanto em sua obra técnica anterior o mestre Eisner abordou princípios, conceitos e anatomia dos quadrinhos, bem como os fundamentos da arte, nesta ele aprofunda seu estudo, lidando com a missão e o processo de “contar histórias com desenhos”.
O autor ressalta que as palavras são importantes para a constituição da história, mas a maior carga descritiva das situações se dá pelas imagens, entendidas universalmente, seja com a intenção de imitar ou exagerar a realidade. Uma boa narrativa visual diferencia bons quadrinistas de bons ilustradores, por exemplo. Afinal, mostrar uma cena isolada é muito diferente de utilizar cenas em sequência para se contar uma história…
A publicação abriga técnicas diversas de para mostrar quais são os elementos que tornam uma história interessante, sendo ricamente ilustrada com exemplos da arte do próprio Eisner. Mas desta vez, o leitor é apresentado a novos personagens: um grupo de homens das cavernas que, em diversos momentos, tomam-se protagonistas do livro, apresentando exemplos específicos (num processo que se assemelha ao que Scott McCloud fez em Desvendando os Quadrinhos, mas tendo personagens como narradores e não o próprio autor).
Reinventando os Quadrinhos, de Scott McCloud
Publicado originalmente nos EUA em 2000
Continuação de Desvendando os Quadrinhos, destaca doze revoluções no modo como são criados, lidos e percebidas as HQs na era digital. O livro é produzido da mesma forma que seu antecessor, tendo McCloud como protagonista desta grande história teórica em quadrinhos. Porém, desta vez abriga diversas notas de rodapé, praticamente em todas as páginas, o que complica um pouco mais a leitura.
É uma publicação que acaba sendo mais teórica e ambiciosa, pois trata do futuro dos quadrinhos, ou seja, de um processo de transformação que ainda está acontecendo. Sendo assim, o autor não tem uma “HQ definitiva do novo milênio” para exemplificar, então tenta, por eliminação, mostrar os elementos essenciais que permanecerão, pouco dependente das transformações que possam ocorrer nesta forma de comunicação.
O próprio autor realizou algumas experiências em seu site (www.scottmccloud.com), que pode acabar se tornando consulta obrigatória. Porque fica difícil chegar a conclusões tão definitivas num processo ainda não finalizado de transformações. E, pela natureza da mídia, o espaço online tem melhores condições de apresentar atualizações que se fizerem necessárias. O único porém, para os brasileiros, é que o site existe apenas na versão em inglês.
Esta é a menos definitiva das obras aqui citadas. E, a esta altura, tem alguns momentos de informação datadas, por ser um material publicado há quinze anos, antes da revolução das redes sociais e dos smartphones, por exemplo. Mas é importante pela discussão que gera e pelo empenho do autor em buscar a adaptação dos quadrinistas às possibilidades artísticas e mercadológicas do século 21.
Desenhando Quadrinhos, de Scott McCloud
Publicado originalmente nos EUA em 2006
Particularmente não concordo com a versão em português do título do livro. O original, Making Comics (algo como Fazendo Quadrinhos) é muito mais amplo. Pois dá pra fazer quadrinhos sem desenhar, com fotos ou colagens, só pra ficar num exemplo básico…
Isso posto, este é o livro mais completo desta lista. Talvez por ser o mais recente, o autor consegue se valer de sua própria experiência anterior, bem como da análise de material alheio. Não sei bem se foi isso que aconteceu, mas fato é que, se você só puder comprar um livros sobre como fazer quadrinhos, sugiro este.
Da mesma forma que em Desvendando os Quadrinhos e Reinventando os Quadrinhos, o autor constitui o livro como uma HQ, tomando para si a figura de narrador. Como o próprio McCloud informa no prefácio, o mercado tem uma série de livros e conteúdo para quem quer aprender a desenhar este ou aquele tipo de personagem e estilo. Mas pouco conteúdo analítico sobre preocupações que o autor precisa ter mesmo antes de pegar na caneta, como estas presentes na publicação:
- Escolher os momentos certos para converter em quadrinhos – o que incluir, o que deixar de fora.
- Enquadrar ações e guiar os olhos do leitor.
- Escolher palavras e imagens que se comuniquem entre si.
- Criar personagens variantes e atraentes, com vida interior e visual inesquecível.
- Dominar a linguagem corporal e as expressões faciais.
- Criar mundos ricos para seus leitores explorarem.
- Escolher as ferramentas certas a saber como elas evoluíram.
- Navegar pelo vasto mundo dos estilos e gêneros de quadrinhos.
Uma ótima publicação de referência para quem quer entender melhor alguns aspectos que tornam incrível a linguagem das histórias em quadrinhos.
Para saber mais sobre os autores visite seus sites oficiais:
Se ficou interessado, clique nos links a seguir para comprar os livros em lojas online.
- Quadrinhos e Arte Sequencial
- Desvendando os Quadrinhos
- Narrativas Gráficas
- Reinventando os Quadrinhos
- Desenhando Quadrinhos
Leia também:
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– Dicas sobre HQs aprendidas com o quadrinista e escritor Lourenço Mutarelli
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2 respostas para “5 livros básicos para aprender a fazer quadrinhos”
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